sábado, 8 de janeiro de 2011

Conto "Gritos na Escuridão"

Sou um apaixonado pela literatura, em especial pelos gêneros Fantástico e Policial. Acredito que todo grande leitor, grande no sentido de ler muitos livros, sente a necessidade uma hora de começar a desenvolver as suas próprias histórias, com personagens e situações que povoam a sua cabeça.

Foi assim que tempos atrás comecei a escrever alguns contos do gênero Fantástico. Inclusive dois deles foram publicados em antologias. Segue abaixo o texto de suspense "Gritos na Escuridão" que está publicado na antologia "Olhares na Noite".

Quem desejar ler o livro e ter acesso aos outros excelentes contos deve-se fazer o download, que vale muito a pena. Dê um clique em cima da capa do livro para fazer o download.



Boa leitura e espero que gostem! Use o campo dos comentários para as críticas. Todas elas serão muito bem vindas.

Gritos na escuridão

                                                                                                         Angelo Tiago de Miranda
                                                                                                                                                                                                                                
Lenina olhava diariamente pela janela numa busca incessante de sair daquele lugar. Ao fitar o seu olhar melancólico no belo horizonte que desenhava a sua frente, o seu pensamento fluía em busca de uma maneira rápida e eficiente de fugir. Afinal de contas, já havia se passado mais de cinqüenta anos presa naquele monastério, uma vida inteira, desde a sua infância, se dedicado a algo que não mais a atraía. Nesse atual estágio já se encontrava muito fatigada por obedecer a tantos anos as regras da sua ordem religiosa. Sua história havia se transformado numa rotina repleta de tédio, falta de prazer, sabor e encanto pela vida. Sentia que a sua vida estava chegando ao fim e para ela seria injusto não descobrir as coisas lindas e ocultas que havia no mundo afora.

Numa manhã, estando no segundo andar e olhando para fora daqueles muros através de uma grande janela empoeirada, eis que num segundo enxergou aquela que seria uma possível solução. Porque não havia pensado nisso? Há tempos não durmo procurando uma forma de escapar desse lugar! – pensou intimamente. Lenina observou que naquele instante, um velho homem chamado Maricato estava se retirando do monastério empurrando uma carroça com dois caixões. Ele trabalhava continuamente há décadas como carpinteiro e, além de fabricar os caixões aonde eram colocadas as pessoas que morriam, também era o responsável por enterrá-las longe do monastério, pois o solo daquele local era considerado santo demais para receber mortos.

Devido a sua avançada idade e sem aquele vigor característico da juventude, ele fazia uma força brutal para empurrar o pequeno carro que percorria vagarosamente um terreno extremamente pedregoso. Com os solavancos que eram praticamente inevitáveis um dos caixões ficou entreaberto expondo o que parecia um braço de uma pessoa, sendo colocado rapidamente pelo ancião ao perceber o inconveniente. Ah! De fato são corpos que ele está levando! Ao certo alguém dentro do monastério veio a falecer, concluiu Lenina.

Ela ficou observando e acompanhando de longe toda a trajetória de Maricato, que neste momento estava com o auxílio de uma pá cavando duas covas rasas para sepultar logo em seguida os corpos. Com muita dificuldade ele conseguiu, após longos minutos, trazer os caixões para dentro das covas e cobrir com uma fina camada de terra, pois a sua força já não permitia realizar os sepultamentos como outrora.

Lenina estava ansiosa para falar com Maricato e ao cair da noite dirigiu-se sorrateiramente à sala dele, encontrando um ambiente escuro, gélido, com dezenas de caixões pendurados e um cheiro estranho, vindo do apodrecimento de corpos que estavam aguardando há dias para serem enterrados. Após conversar por alguns minutos e expor o seu plano, ela já não agüentando mais aquele cheiro acre, deixou a sala rumo ao seu aposento já sentindo o aroma da liberdade e o prazer de tão logo poder exercer livremente a sua vontade.

O plano consistia numa fuga através do auxílio do velho homem. Numa certa noite ela iria até a sala dele e entraria num caixão, ficando lá até pela manhã, horário em que Maricato levá-lo-ia para ser sepultado. No mesmo dia, mas no início da noite, ele sairia do monastério com uma desculpa de recolher os animais que estavam pastando e iria até a cova onde estava Lenina, desenterrando-a.

Passado algumas semanas, chegou o grande dia. Convicta do sucesso que seria o seu plano seguiu a risca o acordo. Queria conversar mais uma vez com o velho para repassar os detalhes, mas não o encontrou. Por estar com medo de alguém descobrir a sua aproximação com ele, também não o procurou entre os funcionários do monastério. Sentiu medo para descer até aquele porão escuro e escolher um caixão para se esconder, mas assim o fez.  O cheiro de podre naquele local era horrível e logo ela procurou um caixão numa tentativa de escapar daquele ar extremamente pesado e nauseabundo, agradecendo a si mesma por ter encontrado um vazio. Mas o seu alívio durou pouco, pois transcorrido alguns minutos ela escutou passos e vozes vindos da entrada do porão e seguindo em sua direção. A tampa do caixão foi aberta e naquela escuridão total jogaram mais um corpo dentro dele e, se não bastasse tal inconveniente, ainda o pregaram com diversos pregos. Era uma sensação horrível, o corpo gelado e um pouco enrijecido estava bem encostado ao seu, num abraço que ela gostaria de nunca ter experimentado. Lenina sentiu o suor frio que lhe cobria o rosto e encharcava a sua camiseta. Procurou controlar os nervos. Pelo menos alguém sabia que ela estava ali e tão logo seria libertada daquele infortúnio. O ar imundo do local estava cada vez mais pesado, e ela começou a amaldiçoar a demora de ser levada dali.

Lenina respirou profundamente. Tossiu um pouco e lembrou-se de que deveria manter a calma, não gritar, não respirar muito. Manter a calma. Aquelas palavras martelavam em sua mente. Manter a calma... Não entrar em pânico... Ainda assim, conseguiu cochilar.

Quando acordou, não tinha noção de quanto tempo se passara. Estava num local abafado e mergulhado numa escuridão total. Lembrou-se do pequeno isqueiro que trouxera no bolso para “quebrar” a escuridão já esperada e aguardar a chegada do velho.

Mal conseguia mover as pernas. Deslizou os dedos para o lado tentando levar a mão no bolso, mas o corpo que estava junto ao seu a impedia. Sentiu os braços contidos por ele que nesse momento já estava duro. De ambos os lados, estava cercada em um cubículo ínfimo. Com muita dificuldade, conseguiu espremer-se e apanhou o isqueiro. Ao acendê-lo ficou arrepiada e aterrorizada... O corpo que estava no caixão era o de Maricato! Agora, quem iria desenterrá-la? Provavelmente, a enterrara em algum terreno baldio ou outra área abandonada bem longe do monastério. Como seria encontrada?

Sua mente vagava perdida, indo de pavor a pavor, numa velocidade cada vez maior. Seus olhos faziam uma varredura enlouquecida em toda a área alcançada pela pequena luz da chama do isqueiro. Procurava uma fresta, uma falha na madeira, algo que pudesse possibilitar-lhe uma fuga. Um grande desespero tomou conta do seu corpo e começou a sentir-se sufocada, como se o ar do ambiente restrito em que se encontrava se estivesse consumindo por sua respiração angustiada, sem que alguma lufada de vento viesse renová-lo.

Em pânico, tentou levantar a tampa do caixão. Teve a sensação de movê-la um milímetro, porém sentiu que os pregos fixados no esquife o impediam de abri-lo. Começou a bater na tampa com todas as suas forças, mas nada. Tudo estava bem fechado e não havia condição alguma de conseguir dar fim aquela prisão. Os seus dedos estavam banhados de sangue e doíam insuportavelmente. Sentia as unhas soltando-se deles pela luta e pela força que fazia contra a madeira nua. Chorava em desespero. Numa última esperança, começou a gritar com todo o resto de forças que ainda tinha... Sentiu que a morte estava bem próxima.

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