domingo, 22 de junho de 2014

As aparências enganam

O amparense Marçal Aquino é um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos. Domina a narrativa como poucos e no brinda com bons textos, como "O Invasor", uma tensa novela ambientada em São Paulo em que tudo o que passamos a acreditar ao longo dela é desfeita, de forma genial, ao final dela.

O livro narra uma trama vivida por três personagens: Estevão, Alaor e Ivan, que são sócios de uma construtora sediada na cidade de São Paulo. Devido à negócios escusos propostos por Alaor e Ivan, mas que renderão altos dividendos para a construtora, Estevão se opõe e quer impedir essa falcatrua seja concretizada, é quando Alaor e Ivan recorrerem a um serviço de matador de aluguel para dar cabo a vida de Estevão, mas o que menos eles esperavam, é que o assassino começa a fazer parte da vida deles e da empresa, até um desfecho inesperado.


Aquino construiu em "O Invasor" uma bela narrativa policial, aonde os fatos acontecem de forma linear facilitando a compreensão do leitor. É um texto com suspense, tensão e, principalmente com pitadas de humor, o que nos leva a rir em alguns trechos e isso alivia um pouco o peso de uma trama policial que contém mortos, jogos de interesse, corrupção e outros ingredientes mais pesados. O mais interessante da obra é que tudo o que começamos a pensar sobre os personagens, são desconstruídos depois, ratificando a característica de uma obra policial em que "as aparências enganam".

Vale dizer que o processo da escrita desta obra foi sui generis, haja vista que um certo dia, o escritor recebeu em sua casa um amigo, o cineasta Beto Brant, que perguntou o que Marçal estava escrevendo. Aquino entregou alguns originais do livro para Beto dar uma lida e fazer algum comentário. Eram poucas páginas e assim que o cineasta leu, imediatamente quis produzir um filme, para desespero de Aquino, pois a história não havia ainda sido terminada.

Beto Brant então convenceu Aquino de terminar a história enquanto produzia o roteiro para o filme "O Invasor". Portanto, o filme saiu primeiro que o livro. Pouco tempo depois, Marçal Aquino voltou para a história e terminou de produzir o livro, para desgosto dele, pois numa das entrevistas que Aquino já concedeu, ele disse que quando começa escrever uma história, não gosta de saber o final dele. Escreve sem amarras, sem fatos pré-definidos e quando ele foi terminar o livro, devido ao roteiro anteriormente escrito, já sabia como que aquela história terminaria.

Eu me lembrava vagamente do nome de Marçal Aquino por uma história publicada pela Ática na famosa coleção Vaga-Lume. Anos se passaram e não "percebi mais a presença do autor", até que ao assistir numa terça-feira (quando o programa ainda passava às terças-feiras na TV Cultura) uma entrevista dele no programa "Provocações", tão bem conduzido pelo Antônio Abujamra, gostei muito do que eu assisti e passei a ter mais interesse nas obras do autor.

Participei de duas entrevistas, ao vivo, que ele concedeu na Biblioteca de São Paulo. Nesses bate-papos com tom informal realizados aos sábados, pude conhecê-lo melhor. Conhecer a sua trajetória, a sua forma de escrever, os seus projetos, sonhos e desafios. Logo percebi que eu estava conhecendo um dos grandes escritores contemporâneos brasileiros, que tem habilidade em narrar histórias, seja ela na forma de conto, novela ou um denso romance.

Para a (in)felicidade dos leitores de Marçal Aquino, ele agora está trabalhando para a Rede Globo, na escrita de roteiros para minisséries, como "Força Tarefa". Tal atividade, segundo o autor disse numa entrevista, tem tomado muito tempo dele, tirando o tempo disponível para produzir literatura, que é uma grande pena.

sábado, 7 de junho de 2014

Um livro de contos dramáticos

É engraçado ou estranho quando conhecemos um autor não pela obra dele mais vendida ou aclamada pela crítica e sim por um livro que não foi tão bem discutido no meio literário. 

Geralmente partimos do livro mais conhecido e, gostando do estilo do autor e da sua forma de narrar, somos seduzidos por ele e partimos, apaixonados, para outras obras. Foi assim que ocorreu comigo em relação ao escritor e médico Drauzio Varella.

Lembro-me quando ele lançou o livro Estação Carandiru pela editora Companhia das Letras. A obra ficou por várias semanas nas listas dos mais vendidos e ele passou a conceder várias entrevistas na imprensa. Drauzio, então, passava a ser mais conhecido pelo que fazia com as letras com o que fazia com os seus pacientes.

Mas eu não conheci o Dr. Drauzio pelo seu livro mais discutido e sim por um título lançado anos depois do aclamado Estação Carandiru. O livro foi o Por um fio, cuja leitura promove uma reflexão sobre como que os pacientes do Dr. Drauzio lidaram com a notícia que possuíam poucos meses de vida devido a uma doença grave como o câncer ou a AIDS.

O livro de 224 páginas, também publicado pela Companhia das Letras, traz ao longo dos capítulos, histórias de como se comportaram os pacientes quando receberam o diagnóstico de uma doença grave e o veredito de que teriam poucos meses de vida. Entremeados nessas histórias, temos flashes autobiográficos do autor, que conta detalhes da sua infância num bairro de São Paulo, a sua relação com o irmão, o curso de medicina entre outros fatos bem interessantes.


Cada capítulo é um conto, uma história diferente de um paciente, que pode ter morrido pela doença diagnosticada ou que tenha alcançado a cura devido algum tratamento administrado pelo médico (lembre-se que o Dr. Drauzio Varella é ateu e não atribui a melhora de nenhum paciente a uma cura divina), mas o que está presente em todas as histórias são a tensão, o drama e até certo ponto a melancolia.

Não há como passar pelos contos sem sentir tristeza e pesar pelo que os pacientes passaram. A forma simples e envolvente da escrita do médico nos coloca, em cada história, dentro da vida do paciente/personagem. Parece que compartilhamos da dor dele como se fosse alguém próximo de nós.

Por um fio é uma bela obra que nos possibilita analisarmos o quão controverso é o ser-humano quando este recebe a notícia que a sua morte está próxima. A leitura do livro também é uma oportunidade de valorizarmos a nossa vida e desfrutá-la a cada instante, pois se formos diagnosticados por uma grave doença e termos os nossos dias abreviados por causa dela, partiremos satisfeitos e seremos, para os que ficaram, um exemplo de pessoa que soube aproveitar bem a vida enquanto teve saúde.